Entre o desejo de estudar a relação entre a cidade e as pessoas, aliás, a sociedade que ali gorjeia, e a operacionalização da pesquisa em si, fizemos um percurso de reflexão e reposicionamento. Nos parecia necessário não só a investigação do objeto em si (a questão urbana) como, antes ainda, uma ruminação sobre as ferramentas com que se operar essa investigação. Buscar tornar explícita a base epistemológica e processos de pesquisa nos permitiu não só desenhar as nossas ferramentas metodológicas como rever e melhor compreender o objeto de estudo.
Neste processo, chegamos à compreensão da sociedade poder ser representada como uma rede, que essa rede tem uma forma que é topológica, enquanto o espaço físico em que essa sociedade se desenvolve, a cidade, obviamente também tem sua forma, dessa vez geométrica. É partindo desta compreensão que se desenvolve a questão desta tese, em como se dá a interação entre essas duas formas: será que a forma (geométrica) da cidade define ou interfere na forma (topológica) da sociedade? O texto da tese descreve esse percurso, saindo da reflexão e posicionamento epistemológico chegando no desenvolvimento da pesquisa em si.
Para o desenvolvimento deste trabalho, organizamos o pensamento desde o ponto de vista filosófico, assumindo uma perspectiva a partir da teoria da complexidade (MITCHELL, 2009). A estruturação da observação e interpretação de fenômenos a partir da informação proposta pela teoria da complexidade facilita a operação e desenho de modelos (mesmo que com grande quantidade de variáveis) e a tradução quase imediata para várias mídias, incluindo linguagem de computador.
Nesta perspectiva, temos a cidade como um sistema (cidade-sistema) que processa e transforma informação a partir da rede dos organismos (os subsistemas) que a compõem: pessoas organizadas em grupos, famílias, empresas, escolas, partidos políticos, religiões etc. Cada um destes organismos processa certa informação numa troca com a sua rede de vizinhança. Essa vizinhança não é obrigatoriamente geográfica, a relação pode ocorrer com alguém que more do outro lado da cidade, ao invés de com o vizinho de porta. O desenho dessas relações é a topologia da rede, sendo topologia o ramo da geometria que descreve os objetos em termos relacionais.
Entre os subsistemas da cidade-sistema, podemos identificar a cidade-física e cidade-rede. A cidade-física corresponde à própria estrutura físico-espacial da cidade, tais como traçado das ruas, localização das casas, do comércio; sobre ela acontece a cidade-rede, que corresponde à interação entre seus habitantes, organizações etc. Um paralelo fácil é feito com a internet. A cidade-física corresponde à infraestrutura da rede, ou seja, os servidores e repetidores, a rede de cabeamento de fibra óptica, ou de comunicação por rádio com os pontos de wifi, torres de telefonia móvel, eventualmente satélites, com a sua fisicalidade e uma posição geográfica, uma geometria euclidiana. A cidade-rede corresponde à comunicação que acontece na internet, ou seja, os sites de notícia, aplicativos de comunicação, redes sociais, serviços públicos e privados, toda a comunicação a que estamos habituados e dizemos que elimina as distâncias. Entretanto, qual leitor sabe em que cidade fica o servidor onde está instalado o seu jornal de leitura diária? Mas todos sabem procurar um site de notícias no Google. Essas relações também são descritas topologicamente. Da mesma forma, as conexões da cidade-rede podem ser representadas em termos de topologia, e nem sempre com correspondência a geometria da sua espacialidade.
Na cidade (sistema cidade), as pessoas se encontram não apenas nos ambientes que geralmente frequentam, tais como trabalho, escola, shoppings, praias, parques, bares, mas também fortuitamente nas ruas, calçadas, praças, ônibus, metrô, enquanto se deslocam. As conexões que acontecem nos lugares que se frequenta são independentes da localização na cidade, com a ressalva da influência da distância na escolha do supermercado, por exemplo. Por outro lado, o caminho que se faz depende da espacialidade e traçados das ruas e sistema de transporte.
No sistema cidade, a cidade-física é o substrato onde a cidade-rede se estabelece, pois é nela onde estão os ambientes que as pessoas frequentam e onde são traçados os percursos que elas fazem. É deste entendimento que parte o nosso trabalho. As intervenções urbanas se dão na cidade-física. A nossa inquietação é se essas mudanças alcançam a cidade-rede.
Em outras palavras, nosso objetivo é verificar se a geometria da cidade-física interfere na topologia da cidade-rede. Apesar de entender que os percursos das pessoas operam na geometria da cidade-física, analogamente a internet, nossa hipótese é que essa geometria não influi na topologia da cidade-rede, especificamente, na rede de encontros. Assim, na nossa simulação, analisamos a formação das redes de encontros das pessoas baseada nos encontros dos percursos feitos, por ser onde poderia haver influência da geometria da cidade-física.
Esta tese é apresentada também no formato de site pela possibilidade de dispor de recursos multimídia. No site, o menu à esquerda encaminha para os capítulos, cada um com uma breve introdução e as sessões como subitens. As referências bibliográficas apresentam links ora para o download do PDF, ora para o site da editora ou livraria online. Alguns dos temas tratados são acompanhados de vídeos explicativos ou complementares, sejam eles expressões, teses, ou conceitos que já foram adequadamente ilustrados, garantindo uma melhor explicação e mantendo o texto enxuto. Em alguns casos, a mídia de suporte é uma simulação online que o leitor pode experimentar, desenvolvido pela comunidade do NetLogo, uma linguagem de programação voltada para ensino de modelagem baseada em agentes (ABM). Buscamos deixar as ideias que usamos o mais acessível e próximo dos autores originais.
Assim, este trabalho está organizado de acordo com a evolução das reflexões para construção da tese, explicando a opção pela teoria da complexidade e o olhar para a cidade como rede, até o desenvolvimento do simulador e apresentação da análise e reflexões dos achados.
O simulador foi desenvolvido no ambiente de desenvolvimento de jogos Unity, usando a IDE Visual Studio e está disponível em versão online no nosso site. Também estão disponíveis os seus arquivos de instalação, os resultados obtidos e programas usados para análise.
Feitas estas considerações iniciais, especificamente: a sessão o primeiro nó trata da evolução do pensamento até chegar a complexidade e redes; na sessão sistema cidades, apresentamos um histórico do pensamento sobre a relação cidade-rede, e apontamos os aspectos mais relevantes da teoria das redes para este estudo; na sessão simulações etc., discutimos a ideia de simulação como ferramenta de investigação e descrevemos o simulador desenvolvido, apelidado Redinha, disponível na versão online da tese na sessão de mesmo nome; em downloads, disponibilizamos o próprio simulador para download, links para o código fonte no github, os arquivos resultantes das simulações e links para programas utilizados, como Unity, Visual Studio e Gephy; na sessão olhadas as redes, por fim, apresentamos os resultados, as análises e discussões finais.