o primeiro nó: a problemática, complexidade
complexidade - opção teórica
Ainda sobre os problemas científicos, Weaver (1948) propõe 3 categorias: problemas de simplicidade, problemas de complexidade desorganizada e problemas de complexidade organizada. Os problemas de simplicidade são os que podem ser descritos com poucas variáveis, sem grandes comprometimentos. Para a maioria dos planetas do sistema solar, a mecânica clássica de Newton explica bem a sua órbita. Os de complexidade desorganizada envolvem uma quantidade imensa de variáveis, porém são explicados de maneira mais ou menos simples a partir de estatísticas e probabilidades, como problemas de comportamento de gases, descritos a partir da entropia termodinâmica. Já os de complexidade organizada nem podem ser simplificados, nem obedecem a uma descrição estatística. Em geral, se trata de organizações ou organismos que interagem com uma grande quantidade de informações, com níveis de interação difíceis de serem notados e/ou que mudam de acordo com as demais condições do contexto, a economia de um país, ou o processo de envelhecimento, como o próprio Weaver exemplifica. Essa dificuldade de descrição levou ao termo wicked problems. Vários sistemas que se encaixam nessa categoria são chamados de CAS.
Apesar das dificuldades do conhecer, os esforços no desenvolvimento de uma ciência do urbanismo continuam. Na sua contribuição, Batty (2013) identifica a cidade com esses problemas de complexidade organizada. Ele oferece a distinção entre a dinâmica da rede sócio-econômica, com seus fluxos e transformações de matéria e energia, e o suporte físico que é o território onde ela acontece, o espaço construído cidade; ou seja, a cidade “decomposta” como sociedade e espaço físico, mutuamente afetados. Em nossas palavras, o sistema cidade formado pelo substrato cidade-física onde a cidade-rede, a sociedade, se desenvolve. Aqui, entendemos que as intervenções urbanas são intenções de modificação dessa rede, buscando melhorar, potencializar ou alterar ligações, por exemplo.
A teoria da complexidade é uma evolução da Teoria Geral dos Sistemas (TGS), evocada por Batty como ontologia filosófica para construção de seus modelos, e é própria para abarcar essa multidimensionalidade. Ela descreve o mundo a partir da interação dos sistemas entre si e com o mundo como troca e transformação de informação. Essa visão nos traz de imediato três coisas: a troca de informação é multidimensional (cada informação é interpretada como uma dimensão); os sistemas interagem com as informações em diferentes graus de afetação, seja selecionando ou negando-as; as trocas de informação estabelecem redes com diferentes topologias, com suas conexões e propriedades distintas, que implicam desde grau de dependência entre os sistemas a características de difusão da informação. Em certos casos, essa interdependência leva a organizações mais complexas, com a emergência de sistemas, a autopoiese. A complexidade das suas relações de troca e transformação de informação cai na categoria de problemas de complexidade organizada de Weaver (1948). A adaptação de comportamento ao ambiente, levou a definição de sistemas complexos adaptativos, CAS.
cas e redes como operação
Os organismos vivos podem ser classificados como CAS, ou mais abrangente ainda, todos os sistemas autopoiéticos. Autopoiese é um processo estudado por Maturana e Varela (1970) para designar como a atuação de certos sistemas concorre e reforça a existência mútua a ponto de se organizarem em um novo sistema, uma organização que emerge como um sistema em um nível mais alto de complexidade. Ecossistemas, como a mata atlântica ou a floresta amazônica, são autopoiéticos; organizações sociais e empresas, o corpo de um animal com seus órgãos e uma célula composta pelas organelas, também. Para a visão sistêmica, espécimes animais, uma espécie, ou mesmo todo um ecossistema podem ser considerados, cada qual a seu turno, como um CAS. Eles são complexos (apresentam níveis de organização formados por subsistemas) e se adaptam a mudanças no ambiente, animais e plantas se adequando ao regime climático, empresas que se reposicionam com as variações no mercado. Especialmente, uma cidade é compreendida nesses mesmos termos. O modelo de sistemas complexos já está em discussão desde os anos 70, entretanto, o levantamento, identificação e quantidade de dados e relações entre eles sempre foi de difícil representação e computação, mesmo com grandes simplificações. Graças aos avanços da capacidade computacional, as representações digitais urbanas têm ganhado cada vez mais complexidade, como exemplificam os trabalhos de urban design de Beirão (2012) e de Karakiewicz et al (2015). Seguindo esses exemplos, nesta tese, consideramos que uma modelagem da cidade como um CAS permitirá compreender melhor o mecanismo que a regra, facilitando as compreensões das relações de causa e efeito no desenvolvimento das cidades.
Considerar a cidade como um CAS, implica entender que ela emerge dos vários níveis de organização e interação dos subsistemas da qual é composta. Isso significa uma interação contínua do sistema (a cidade) com a dinâmica do ambiente e demais sistemas, eventualmente internalizando essas relações em reorganizações dos subsistemas que a compõem. Nesse processo surgem e desaparecem subsistemas, mudam-se as conexões e hierarquias entre eles, quantidade, equilíbrio. Esse mesmo sistema provoca modificações no ambiente, como tentativa de melhor atender a sua homeostase, por vezes através da produção alopoiética de sistemas.
É nessa perspectiva o trabalho com automata celulares de Karakiewicz et al (2015), estudando a interação entre esses sistemas. É nessa perspectiva o trabalho sobre redes feitas por Batty (2013), descrevendo em termos de natureza e propriedades. No mesmo contexto, Luhmann propõe a sociedade formada pelas suas funções autopoiéticas (apud SCHUMACHER, 2011), isto é, uma série de organizações sociais produzindo condições para reforço mútuo, que são as internalizações e reorganizações dos subsistemas. Schumacher acrescenta arquitetura às funções de Luhmann (que são arte, religião, lei, política, economia, ciência e educação), promovendo a organização espacial e programa estético da sociedade como produto alopoiético voltado para a adequação da sua homeostase. Essa descrição como CAS através da autopoiese, produzindo elementos necessários para os demais, é o que serve de base para a ideia de metabolismo em Weinstock (2011). Cada organização social (ou organismo, na nomenclatura complexa) tem as suas necessidades de insumos, que metaboliza e transforma em outros produtos, que então são utilizados por um conjunto dos demais organismos.
Em todos esses casos, para a nossa inquietação, vale notar duas coisas. Em primeiro lugar, todas essas interações se dão a partir das redes de trocas entre os vários sistemas. Esses sistemas, chamemos de agentes, interagem uns com os outros através de redes de comunicação e num espaço físico, a cidade. Por exemplo, considerem-se as empresas, ou melhor, as pessoas como os sistemas em questão. Parte da comunicação se dá através de redes de telecomunicações: as redes sociais de internet, livros, jornais; e parte através do encontro físico, tête-à-tête: salas de aula, casas de amigos, trabalho, restaurante, encontros fortuitos na rua, uma loja em que se compra um sorvete ou o serviço de entregas dos correios, a cadeia de fornecedores de uma fábrica. Em segundo lugar, vale notar que estas duas redes concorrentes, concomitantes, acontecem sobre estruturas físicas. A rede de telecomunicação, obviamente, depende do sistema de telecomunicação, difusão da televisão, estrutura da internet, rede de distribuição de livros e jornais. Já a rede de encontros físicos, esta depende do espaço urbano.
Os estudos de Albert e Barabási (2002) ao longo dos anos 90 e começo dos 2000 demonstraram características específicas da internet, com uma distribuição logarítmica de conexões entre usuários e sites. Essas redes são bem diferentes das redes sociais que tinham sido estudadas por outros teóricos das redes, como Granovetter nos anos 1970 por exemplo. O seu trabalho se dá a partir do estudo das redes sociais e do experimento de Milgram (apud Granovetter 1983), que envolvia enviar cartas para conhecidos até que chegasse a um determinado desconhecido. A conexão entre canais de TV e público, também apresenta uma configuração característica.
Por vezes, meios diferentes estruturam redes de topologias diferentes. Por vezes, o que determina a conexão é a distância e a ligação se dá por proximidade; por vezes, pela necessidade de um artigo específico, independente da distância; por vezes ainda, a distância não importa e vários sistemas oferecem a mesma informação, neste caso a conexão depende de se saber da existência daquele sistema específico.
A variação na motivação e o critério de formação da rede nos traz algumas reflexões. Esses diferentes motivos resultam em diferentes topologias? A topologia da rede é uma característica inerente ao meio? Tem a ver com a forma dessa estrutura do meio? Essas questões têm seu reflexo nas outras redes que falamos acima, as de encontro físico. E dela nasce esta tese: mudanças no desenho da cidade, na morfologia urbana, implicam mudanças na rede de encontros físicos que ocorrem nela?
A topologia das redes muitas vezes é imperceptível para quem participa delas. Cada um de nós sabe com quem conversa, quais amigos e colegas de trabalho ou lazer encontra, onde vai para comprar uma lâmpada para casa ou em qual streaming ou cinema vê um filme. Entretanto, o desenho geral, a estrutura topológica da rede total, segue obscura. A relação local da rede tende a ser percebida, a geral, não. Se a nossa sociedade acontece através do metabolismo de variadas informações, questões como o tempo de propagação e permanência da informação na rede, bem como o percurso que faz, a quem está disponível, ou a quem chega, ou atinge, são todas questões relevantes.
Consideremos uma informação que é passada de uma pessoa para outra a partir do encontro entre elas, por exemplo, uma piada, fofoca ou uma doença infecto-contagiosa (curiosamente, vários estudos de modelagem epidemiológica começam justamente apresentando esse paralelo de comportamento entre epidemia e fofoca). A epidemiologia, muitas vezes, descreve a transmissão de doenças (e fofocas, e piadas) com um modelo chamado SIR, ou com uma variação chamada SIRS (DRAIEF, 2006). O “S” indica as pessoas suscetíveis à doença (ou a uma informação, uma piada), “I” as pessoas infectadas (ouviram a piada), “R” as recuperadas (curadas e que desenvolveram imunidade; não faz mais diferença ouvir a fofoca pela segunda vez), e o segundo “S” indica que estão suscetíveis de novo, uma imunidade que passou ou uma piada que esqueceu. Imaginemos que 10 pessoas se encontrem todas de uma vez, nessa rede todas as 10 pessoas são conectadas entre si. A informação é passada no momento do encontro, levando 1 tempo para acontecer. Caso essas pessoas se encontrem 1 a 1 de cada vez, para a mesma informação atingir as 10 pessoas, serão necessários 10 tempos. Se o décimo encontrar o primeiro fechando o círculo, e este já estiver suscetível novamente, essa informação pode ficar circulando indefinidamente na rede. Em outro desenho da rede, consideremos que 3, das 10 pessoas, são amigas entre si, mas nenhuma delas fala ou se encontra com as outras 7. Se a piada for contada a primeira vez no grupo das 7, jamais vai chegar no grupo das 3. Essas características da rede, sua topologia (quem conhece quem) e sua dinâmica (como se dão os encontros), têm impacto direto no processamento de informação da rede.
Assim sendo, como simplificação da relação entre a cidade-física e a cidade-rede, esta tese pretende investigar essa relação entre o desenho espacial e a topologia de rede. Nosso objetivo, portanto, é desenvolver a simulação de um modelo baseado em agentes que permita ensaiar a geometria do substrato onde a rede ocorre, e observar a rede de encontros formada. Para isto, criamos cenários com diferentes geometrias onde foram simuladas rotinas de comutação casa-trabalho de um conjunto de agentes, para então analisar a rede resultante e verificar se há variação topológica entre elas. Nossa hipótese é que a topologia da rede de encontros não depende da geometria do substrato onde ela ocorre. Entendemos que a analogia com a relação entre cidade-física e cidade-rede permita encontrar um rebatimento dos resultados encontrados.
A tese é apresentada em formato de hipertexto também, permitindo que quaisquer de suas partes sejam lidas não linearmente. Por exemplo, nas próximas seções, apresentamos uma breve discussão que justifica nossa opção por simulação ABM como metodologia para testar nossa hipótese e um apanhado sobre teorias de rede. Essas duas seções podem ser lidas em qualquer ordem. Da mesma forma as demais seções: a descrição do nosso simulador, que além de oferecer o link do github para download do mesmo disponibiliza o link da sua versão online; e a última parte, contendo os resultados e discussão, com links para os gráficos e tabelas gerados pelo simulador, bem como conclusões e considerações finais, com sugestões de pesquisas/aplicações futuras.
Palestra do Prof. Jorge Vieira sobre Teoria Geral dos Sistemas, por ocasião do Sigradi 2012 em Fortaleza.
Introduction to Complexity: Introduction to the Study of Complexity
13 de set. de 2018
Complexity Explorer
Niklas Luhmann – Systems theory and post-modernism
17.03.1995 / London School of Economics and Political Science
Network Analysis. Lecture 15. Diffusion of innovation and influence maximization.
Structural Analysis and Visualization of Networks.
31 de mai. de 2015